A Madeira, uma região autónoma de Portugal, continua a ser palco de um cenário político e institucional singular. Embora Portugal seja uma república desde 1910, a realidade madeirense revela nuances que merecem uma análise profunda. Ao longo dos anos, a estrutura de poder na ilha tem demonstrado uma longevidade política rara, onde a hegemonia de um partido e de certas figuras políticas permanece intacta. Este artigo explora as razões por trás dessa duradoura estabilidade política, questionando a ideia de que a Madeira faz parte de uma república democrática como o restante de Portugal.
A Hegemonia do PSD-Madeira
Desde 1976, ano em que a autonomia da Madeira foi formalmente reconhecida, o Partido Social Democrata da Madeira (PSD-M) tem dominado o cenário político da região. Sob a liderança de Alberto João Jardim, o PSD-M conseguiu se estabelecer como o partido incontestável da região, ganhando consecutivamente todas as eleições legislativas regionais até 2015. O PSD-Madeira beneficiou-se de um sistema eleitoral favorável, mas também de uma estratégia política de proximidade com o eleitorado, focada no desenvolvimento económico e na defesa das especificidades regionais.
Após a saída de Jardim em 2015, Miguel Albuquerque assumiu a liderança do partido e a presidência do governo regional. Embora o PSD tenha perdido a maioria absoluta nas eleições de 2019, conseguiu formar uma coligação governamental com o CDS-PP, continuando a deter o poder na ilha. Este domínio de quase meio século levanta questões sobre o pluralismo político e a verdadeira natureza da democracia na Madeira.
A Estrutura de Poder na Madeira: Monarquia de Fato?
Muitos críticos do atual sistema madeirense sugerem que a estrutura política da ilha mais se assemelha a uma monarquia de fato do que a uma república democrática. O longo mandato de Jardim e a sucessão interna dentro do PSD-M evocam uma sensação de continuidade dinástica. Mesmo após a saída de Jardim, sua influência na política local não desapareceu completamente, e muitas das figuras-chave de seu governo continuam a desempenhar papéis importantes na vida política da região.
O conceito de “monarquia” na Madeira é, claro, simbólico, mas destaca a questão do poder concentrado e da falta de alternância política. Enquanto outras regiões de Portugal vivenciam mudanças regulares de governo, a Madeira tem mantido um status quo que parece imutável, desafiando os princípios fundamentais de uma república democrática.
A Cultura Política Madeirense
A cultura política da Madeira é marcada por um forte senso de identidade regional. O governo regional, historicamente, tem sido bem-sucedido em apresentar-se como o defensor dos interesses madeirenses contra o “centralismo” de Lisboa. Este discurso autonomista é central para o sucesso eleitoral do PSD-Madeira, que soube capitalizar as tensões entre o governo central e a região autónoma.
Além disso, a Madeira beneficia-se de fundos significativos da União Europeia e do governo central, que têm sido utilizados para desenvolver infraestruturas e projetos sociais. No entanto, muitos críticos argumentam que esses recursos são frequentemente utilizados de forma a reforçar o poder político do partido no poder, criando uma dependência econômica que dificulta a emergência de uma oposição forte.
As Implicações para a Democracia
A longevidade do PSD-Madeira no poder levanta preocupações sobre a saúde da democracia na ilha. Embora as eleições sejam realizadas regularmente e respeitem os procedimentos legais, a falta de uma alternância política efetiva sugere que o sistema democrático pode não estar funcionando plenamente. O controle sobre os meios de comunicação regionais e o uso de recursos públicos para garantir apoio eleitoral são questões que têm sido amplamente debatidas.
No entanto, é importante destacar que o PSD-Madeira continua a ter um apoio significativo da população, particularmente nas zonas rurais. O partido conseguiu criar uma base de apoio sólida ao longo das décadas, focando-se nas necessidades locais e garantindo a estabilidade econômica. Este apoio popular é um fator crucial que explica a permanência no poder, mesmo diante de acusações de centralização e clientelismo.
O Futuro da Madeira
Com a transição para o século XXI, a Madeira enfrenta desafios significativos que podem redefinir o cenário político da ilha. A pandemia de COVID-19 trouxe à tona questões de governança e capacidade de resposta, e a dependência da economia local do turismo coloca a ilha numa posição vulnerável em tempos de crise global. Além disso, as novas gerações, com maior acesso à informação e conectividade, podem começar a exigir mais pluralismo político e mudanças na forma como a ilha é governada.
Embora o PSD-Madeira continue a dominar o cenário político, a crescente fragmentação do parlamento regional e a perda da maioria absoluta em 2019 sugerem que o domínio de uma única força política pode não ser tão garantido no futuro. A coligação com o CDS-PP, embora eficaz no curto prazo, pode enfrentar dificuldades à medida que novos partidos e movimentos começam a ganhar terreno.
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A Madeira, embora parte integrante da República Portuguesa, apresenta uma realidade política distinta, onde a longevidade no poder de um partido e a centralização de recursos e influência evocam questões sobre a verdadeira natureza da democracia na ilha. O futuro político da Madeira dependerá de sua capacidade de renovar suas instituições e promover um sistema mais pluralista, que reflita as diversas vozes e interesses da população madeirense. Contudo, até que essa mudança ocorra, a ilha continuará a ser um caso peculiar dentro da república portuguesa, onde o poder parece mais dinástico do que democrático.