Os farmacêuticos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) entraram em rota de colisão com o Governo, marcando uma greve para os dias 22, 23 e 24 de outubro, após o adiamento de uma reunião crucial que estava marcada para o início deste mês. A paralisação, convocada pelo Sindicato Nacional dos Farmacêuticos (SNF), acontece em um contexto de frustração crescente por parte destes profissionais, que reivindicam melhorias nas condições de trabalho e na grelha salarial, que, segundo eles, está desatualizada há mais de duas décadas.
Impasse nas negociações
O ponto central de discórdia é o adiamento da reunião que o SNF tinha agendado com o Ministério da Saúde para o dia 2 de outubro. O sindicato critica o facto de, após seis meses de negociações, ainda não ter havido qualquer avanço concreto nas reivindicações apresentadas, que incluem a atualização salarial e o reconhecimento da importância da profissão farmacêutica dentro do SNS.
Em comunicado, o SNF expressou a sua preocupação com o adiamento e sublinhou que “nada foi feito” para resolver os problemas dos farmacêuticos. “Durante seis meses de reuniões, o Ministério da Saúde sempre disse compreender a necessidade de corrigir a situação em que se encontram estes profissionais, mas, até ao momento, não houve qualquer ação concreta para atender às nossas reivindicações”, afirma o sindicato.
O presidente do SNF, Henrique Reguengo, reforçou a insatisfação dos farmacêuticos em declarações à agência Lusa, afirmando que a situação atual é insustentável. “Hoje, seis meses depois do início das negociações, estamos no zero. Não há um único ponto do nosso caderno reivindicativo que esteja resolvido”, lamentou Reguengo, referindo-se ao documento entregue em abril passado, quando as negociações começaram.
Grelha salarial de 1999
Uma das principais reivindicações dos farmacêuticos é a atualização da sua grelha salarial, que está em vigor desde 1999. Segundo o SNF, os farmacêuticos do SNS, que totalizam cerca de 1.000 profissionais em Portugal, gerem a segunda maior fatia do orçamento da saúde, especialmente através da gestão de fármacos, o que, segundo Reguengo, gera uma poupança anual que “só por si pagaria o aumento” salarial pretendido.
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Reguengo também criticou o facto de o Governo ter assumido compromissos para negociar novas grelhas remuneratórias com outras categorias profissionais, como os médicos e enfermeiros, sem prestar a devida atenção aos farmacêuticos. “Sentimo-nos discriminados”, afirmou, mencionando que a proposta do SNF entregue ao Ministério da Saúde até ao momento não recebeu qualquer resposta.
O sindicalista sublinhou que a intervenção farmacêutica é cada vez mais complexa e necessária dentro do SNS, e alertou que, caso não haja mudanças, o sistema poderá enfrentar uma crise de falta de profissionais. “Os farmacêuticos têm uma empregabilidade de 100%. Se não vierem para o SNS, vão para outro sítio onde lhes paguem como merecem”, explicou.
Comparações com outras carreiras
Reguengo também chamou a atenção para as disparidades salariais entre os farmacêuticos e outras profissões da saúde no SNS. De acordo com os dados apresentados pelo SNF, os farmacêuticos tiveram um aumento médio de apenas 11% nos seus salários entre 2008 e 2024, o que se traduz em cerca de 11 euros por ano. Em comparação, o aumento salarial dos técnicos de diagnóstico e terapêutica e dos enfermeiros foi de 34,5%, passando de 991 euros em 2008 para 1.333 euros em 2024.
A enfermagem, acrescentou, verá um aumento ainda mais significativo nos próximos anos, chegando a um crescimento total de 66% até 2027. Quanto aos médicos, que em 2008 ganhavam 1.801 euros por mês com um horário de 35 horas semanais, Reguengo afirmou que atualmente “não há médico nenhum que entre com menos de 3.280 euros” no SNS.
Por outro lado, os farmacêuticos continuam a enfrentar uma disparidade considerável nos seus salários, mesmo gerindo uma parte significativa do orçamento do SNS e utilizando tecnologias amplamente generalizadas, como medicamentos e análises clínicas, sem contar com as áreas de genética.
Adiamento inesperado
O adiamento da reunião com o Ministério da Saúde causou surpresa entre os representantes dos farmacêuticos, especialmente tendo em conta as reuniões anteriores, nas quais, segundo o SNF, o Governo reconheceu a urgência de resolver a situação dos farmacêuticos. “Foi perfeitamente claro e assumido [pelo Governo] que a situação dos farmacêuticos era absurda e que era necessário intervir e mudar rapidamente”, afirmou Henrique Reguengo.
Apesar deste reconhecimento, o presidente do SNF acredita que a falta de uma contraproposta e o adiamento da reunião indicam uma “falta de vontade política” por parte do Governo. “Chegámos a um ponto em que já não sabemos propriamente o que fazer, mas não fazer nada deixou de ser opção”, afirmou Reguengo, referindo-se à decisão de convocar a greve.
Greve iminente
Com a greve marcada para os dias 22 a 24 de outubro, o SNF espera pressionar o Governo a retomar as negociações e a apresentar soluções concretas para os problemas dos farmacêuticos. O sindicato já ajustou a sua proposta inicial, mas considera que o tempo para resolver estas questões está a esgotar-se, especialmente a menos de dez dias da entrega do Orçamento do Estado para 2025.
O futuro das negociações permanece incerto, mas os farmacêuticos do SNS estão determinados a lutar por melhores condições de trabalho e uma valorização salarial que consideram justa, à semelhança de outras profissões da área da saúde.